A cidade do vento

- de Lund, Sweden
Chibird
Sempre me perguntam como é a cidade. Se tem muita coisa pra fazer, se eu gosto.. Se você se adaptar aos horários da cidade, tem sim muita coisa pra fazer e se distrair apesar dos seus 26km². Há muito lazer estudantil, mas também há bares e restaurantes de todos os gostos na cidade. E se você não ficar satisfeito, está a 20min de Malmö e 40min de Copenhagen.


Se eu gosto é uma pergunta muito difícil. Talvez eu possa falar do que eu não gosto com toda a certeza: do vento. Acho que Lund só perde pra Copenhagen no quesito "cidade ventania". Só posso falar do outono e do inverno por enquanto, mas pelo menos nesses meses venta constantemente. E não é uma brisa qualquer. É um vento barulhento e forte, que muitas vezes quase te leva junto. Há dias em que andar de bicicleta é um convite
para o tombo. E só por causa do vento.


Agora você imagina, ventania nas épocas frias do ano. Esqueça o bafo quente do centro do Rio, aqui o vento é frio, muito frio. Se em Umeå ventasse tanto quanto aqui, as pessoas teriam suas peles arrancadas no caminho pro ponto de ônibus. Porque lá sim faz frio!

Mas o vento aqui não deixa de ser impiedoso. Já derrubou árvores. Ok, mini árvores. Nada comparado ao poder de uma tempestade no Brasil. Mas já pararam trens por uma tempestade de vento pra você ter idéia da coisa.

O que acho incrível é que mesmo sendo uma cidade pequena, consegue ter seus subclimas. Eu moro ao norte, onde a cidade começa a ficar mais alta, e às vezes aqui chove ou neva e meus amigos no centro da cidade não sentem uma gota. A verdade é que eu moro onde o vento faz a curva.

Mas calma, não se preocupe! Dá para viver com o vento. Com um casaco bom, luvas e uma proteção pras orelhas você samba e dança na cara da ventania.

Só que parece que a faculdade de engenharia, na minha esquina, é o primeiro pedaço plano depois da primeira elevação da cidade. Acho que nem quem mora mais ao norte, e mais alto, do que eu ouve tanto o vento.

Morar perto da faculdade é mágico. Minutos a mais de sono estudando uma carga horária integral valem ouro. O lado ruim é que fora do horário escolar, a noite ou nos fins de semana, não tem uma alma viva passando por aqui. Ok, talvez uma ou duas que moram aqui perto mas que só passam a cada hora. E além de não ver pessoas, eu não vejo ou ouço nem corvos. Às vezes um passarinho de canto noturno passa pra me visitar.

Mas daqui da minha janela sueca eu não ouço carros na rua, não ouço vizinhos, não ouço a música e falatório do churrasco no play, não ouço a obra do prédio do lado, não ouço a musica trash vindo do vizinho.

E o fato é que se eu não estivesse morando na cidade do vento, na parte em que o vento faz a curva, talvez eu não ouvisse nada. Talvez se eu tivesse ido morar bem no centro da cidade, ou ao lado da estação de trem, eu veria mais movimento.

Mas na hora a gente não pensa nisso né? Porque afinal, será que isso é tão importante quanto morar perto da onde se estuda, e não ter que passar perrengues com a neve ou com o cansaço de subir ladeira? 

Eu acho que todo mundo antes de vir pra cá tinha que fazer um exercício profundo de auto conhecimento. Porque eu quis vir para um cidade universitária para ter essa experiência na minha vida. Afinal, o Rio é uma das maiores cidades do mundo. 

Talvez seja impossível fazer esse exercício na sua zona de conforto. Talvez o intercâmbio seja sim o maior e melhor exercício de auto conhecimento que você vai conseguir.

Porque depois da magia do "tudo novo" das primeiras semanas, depois do primeiro mês veio o incômodo:

"O problema é o tamanho,o problema é o tamanho.
Quero sair,
quero sair.
Quero gente,
quero barulho.
Quero buzinas,
quero pressa,
quero gente.
Quero mil lojas,
mil mercados,
mil bares e mil boates.
Quero mil ruas.
Quero metrô,
quero taxi.
Quero uma vida 24h,
quero luzes,
quero gente.
Quero espaço,
quero distância,
quero o grande.
Quero uma cidade grande.

Da próxima vez eu escolho Nova York. Descobri que não nasci pra cidade de interior."

 Mas dois meses depois, quando percebi que ter deixado o coração em casa estava me fazendo mal, caiu a ficha de que eu estava realizando um sonho e que, felizmente e infelizmente, ele tinha prazo de validade:
"E como as árvores no outono eu me desprendi para viver.
Decidi amar minha escolha, amar minha vida. Minha nova vida.
Porque só quando o verão chegar que tudo vai poder voltar."


E vendo todas essas mudanças na minha vida, no meu pensar e sentir, eu fico pensando.. Será que eu vou sentir falta de ouvir o vento? Será que essa calmaria vai ganhar meu coração sem que eu perceba? Ou será que eu apenas aceitei essa condição de não ouvir vida?




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